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Foto do escritorSergio Izecksohn

O que pode um home studio, por Sergio Izecksohn


O crescimento do setor dos estúdios caseiros de gravação começa a preocupar os grandes estúdios e já aponta para um novo modo de produção no mercado fonográfico.

Não é de hoje que os produtores musicais vêm gerando obras-primas em sistemas de gravação montados em suas casas.

Vários músicos, especialmente a partir dos anos 80, com a tecnologia MIDI, começaram a se voltar para a informática e criaram novas linguagens musicais de expressão internacional.

A novidade é uma geração inteira, como vemos agora, formada pelos contingentes culturais os mais diversos, gravando em seus estúdios todo tipo de música, divulgando seu trabalho em CDs ou pela Internet, praticamente alheios ao gigantesco mercado fonográfico tradicional e seus problemas atuais com quedas nas vendas e pirataria.

E com tudo feito em casa, como já pregavam Antonio Adolfo, Hermeto Paschoal e Tim Maia ainda nos anos 70.

Se é uma geração inteira, é inegável a repercussão deste tipo de prática.

Com total liberdade criativa e todo o tempo do mundo, muitos têm conseguido sucesso de crítica e boas vendagens.

O termo “independente”, que já foi referência dos selos e gravadoras de médio porte, hoje quer dizer feito em casa.

Em guetos ou na Internet, novos artistas procuram novas linguagens.

Muito mais do que as delícias de captarmos nossa inspiração em casa, sem horários e outros limites, sobressai, nesta prática, a liberdade criativa de todos estes artistas.

Sem a pressão do marketing de uma gravadora comercial, a cultura brasileira e de muitos países pode se livrar dessa padronização estilística que só é necessária para a sustentação dos grandes meios de comunicação, mas é estranha à evolução cultural do país e tem sido fatal para muitos gêneros musicais.

Mas não é só com a música brasileira. Este fenômeno é mundial, regido pela voracidade da indústria e seus modelos de marketing.

De repente, quase na virada do milênio, os computadores e os conversores de áudio tinham evoluído e seu preço despenca, a Internet se populariza e seus usuários passam a devorar arquivos de áudio feitos por todo mundo.

Os gravadores de CDs e os CDs virgens ficam ridiculamente baratos e, sem ninguém se articular, sem nem uma reuniãozinha, sem conspiração de espécie alguma, uma grande revolução aconteceu.

Cada músico passa a ter a sua gravadora.

A lista de músicos que partiram para a aquisição de seu próprio material de gravação – e encontraram canais próprios para atender a seus nichos de mercado – é tão vasta que já se pode falar num novo modo de produção.

Milhões de músicos, no Brasil e em muitos países, estão produzindo suas obras e de seus colegas em suas próprias casas.

Para isso, usam equipamentos variados e de custo relativamente baixo, hoje com uma tendência predominante dos PCs e suas placas de áudio.

Seja para atender o mercado fonográfico tradicional, independente ou underground, seja para dar suporte artístico e técnico a outras empresas, como produtoras, emissoras de TV e de rádio, igrejas, agências e clientes diretos como os partidos políticos, esses estúdios, com seus recursos no nível em que estão hoje, só são chamados de home porque ficam nas casas das pessoas.

Muitos já são, de fato, estúdios.

Não deveríamos classificar como home studios equipamentos de alto custo usados em grandes gravadoras só por terem sido instalados na residência de um artista ou produtor, como não vamos colocar uma cama e uma mesinha de cabeceira no Abbey Road Studios e declarar que ele virou um home studio.

Mas com os equipamentos sendo engolidos pelos programas de computador, o custo de um autêntico estúdio caseiro passou a comportar todo tipo de ferramenta de alta tecnologia, equiparando seus resultados, em muitas ocasiões, aos de estúdios infinitamente mais caros.

Assunto impensável até pouco tempo atrás para a maioria, o tratamento acústico, ou sua ausência, era compensado com criatividade.

Hoje, faz parte do orçamento de uma crescente quantidade de home studios, desde que as despesas com equipamentos diminuíram.

O mercado do áudio e a classe musical têm hoje cursos básicos e profissionalizantes de áudio, MIDI, produção e informática musical, voltados para músicos, operadores de áudio e estudantes em geral.

O interessado não precisa mais se mudar para o exterior para aprender.

Mais do que tudo, o acesso permanente aos meios de produção, representados pelos programas instalados no seu próprio computador, leva inevitavelmente à experiência prática.

Mesmo que não haja vagas para todos estagiarem nos grandes estúdios.

Mesmo que seja errando e errando até acertar, como aliás foi o caso de muitos que aprenderam cortando e colando fita na era analógica, mais do que nunca quantidades crescentes de interessados têm onde aprender e com o quê.

E, como em toda arte, dependendo de 1% de inspiração e 99% de transpiração.

Só o produtor Paulo Henrique Castanheira criou, gravou e finalizou em seu home studio o som de inúmeros programas da TV Globo, como aberturas do “Fantástico”, “Faustão” e “Trapalhões”, incluindo mais de 10 novelas e especiais, como “Malhação” e o “Criança Esperança”.

No ano passado, durante a produção do “Brasil 500 Anos”, ele gravou uma orquestra, registrando e dobrando seções, em 55 pistas num hard disk IDE ATA 66, usando um Pentium III – 550 MHz, uma placa de som MOTU 2408 e o Cakewalk Pro Audio.

Ou seja, uma configuração hoje já considerada básica e comercialmente acessível, mais de um ano depois.

Com uma máquina destas, o usuário dispõe dos melhores recursos de processamento e mixagem, até recentemente só disponíveis nos grandes estúdios.

Fora diversas produções em outros estúdios, Paulo Henrique produziu em sua casa discos de boa penetração no mercado fonográfico, trabalhando com artistas e grupos como Orlando Moraes, Conexão Japeri, Amigos, Miquinhos Amestrados e em faixas de CDs de Daniel e de Chitãozinho e Xororó.

Nesta fase, ele ainda não dispunha de tratamento acústico em sua sala, aliando a experimentação ao bom senso para evitar problemas com o som.

Há poucos dias, Paulo Henrique e sua equipe inauguraram o estúdio BR Plus, no shopping Downtown, na Barra da Tijuca.

Com uma boa sala de gravação, com boa acústica e num ambiente agradável, uma técnica espaçosa, bem construída e bem equipada: um Mac G4 roda o Pro Tools 24, operado através da mesa Digidesign Control 24 e seus 16 maravilhosos pré-amplificadores Focusrite. A monitoração é JBL.

Numa terceira sala, o também poderoso equipamento que veio da casa de Paulo Henrique: duas mesas Yamaha 01/V, o tal Pentium com a MOTU 2408 e um monte de samplers e sintetizadores, além de monitores Mackie.

A opção por um estúdio maior e a aquisição do Pro Tools se deram por razões comerciais, para atender a uma demanda de mercado, já que o produtor continua realizando seus trabalhos no Cakewalk tão bem quanto no Pro Tools.

Dependendo da sala disponível e da necessidade, ora ele produz no sistema mais respeitado da atualidade, ora no velho e bom PC, obtendo resultados igualmente satisfatórios.

Essas mudanças todas estão deixando alguns técnicos e proprietários de grandes estúdios de cabelo em pé.

Nunca tantos tiveram acesso a tanta tecnologia, a ponto de parcela expressiva da classe musical, que é o seu mercado, levar os estúdios de gravação para dentro de casa.

Quanto mais os músicos aprendem a gravar e começam a levar o material pronto para as gravadoras – ou diretamente para o público, em forma de CDs independentes ou arquivos da internet, mais circulam mitos e opiniões forjadas por com o intuito de se preservar um mercado.

O mais comum é o que diz que “se o seu equipamento não é igual ao meu (ou do estúdio onde trabalho), você não vai conseguir gravar a sério e o seu disco não vai vender”.

O Discurso da Exclusão.

Em outras palavras: “meu estúdio custou dez milhões de dólares (ou eu tenho tantos anos de experiência) e nem quero ouvir falar em centenas de milhares de concorrentes de uma hora para outra”.

Mas há mercado para todos.

Talvez, daqui para a frente, não seja mais tão concentrado como era antes, com cinco ou seis gravadoras decidindo o que o mundo ia ouvir e deixar de ouvir.

Talvez não dê para um mesmo artista vender milhões de cópias, mas dê para milhares de novos artistas e gêneros venderem alguns milhares para o seu público.

E os técnicos terão um mercado de trabalho muito maior, assessorando os músicos/produtores com sua experiência e conhecimento especializado.

A presença de um produtor musical, um técnico de som ou um músico mais experiente sempre será tão bem vinda nesses pequenos estúdios como vem sendo nos maiores.

E é essa boa convivência entre o novo produtor/proprietário de um home studio e os convidados mais experientes que permite disseminar informações e expandir o mercado.

E os maiores estúdios serão sempre necessários para os maiores trabalhos.

O que importa mais aqui é, antes da questão quantitativa, a qualidade artística que brota naturalmente desse novo modo de produção.

Numa fase inicial, é previsível que os novos produtores busquem uma identificação com os modelos musicais presentes nos planos de marketing das gravadoras.

Ou em outras palavras, tome mais funk, axé e sambanejo, agora também feitos em casa.

Mas, com o tempo, também é previsível que a liberdade de produzirmos nossa música em nosso habitat se confunda com liberdade criativa.

E a decorrência natural poderá ser uma explosão de novos estilos que, em maior ou menor medida, encontrarão suas platéias.

A imensa maioria, provavelmente, terá dificuldades em se fazer ouvir.

Só que, com o aumento da oferta, a música de qualidade, inovadora dentro de sua estética, deverá encontrar vias alternativas às atuais e se fazer conhecer por um público crescente.

Já temos tido casos, mesmo no Brasil, de discos independentes absolutamente estourados no mercado, seja de gente conhecida, como Tim Maia e Lobão, seja de artistas novos, como os Racionais.

E muitos outros de que nunca ouviremos falar, mas que conquistaram uma vendagem perfeitamente capaz de sustentá-los, embora insuficiente para o apetite de uma grande gravadora.

Incontáveis gêneros musicais que foram simplesmente banidos das gravadoras, como a música erudita e a contemporânea, a musica regional e a folclórica, o jazz e a música instrumental, além de gêneros que estão e sempre estarão sendo inventados, por não serem considerados “comerciais”, têm agora os elementos que faltavam para que voltem a florescer.

Independentes do lugar ou do tempo, com as novas ferramentas eletrônicas de produção e divulgação, novos mercados deverão se formar em torno desses muitos segmentos culturais e artísticos.

O que mais incomoda às gravadoras e a seus simpatizantes é justamente a aspiração maior da classe musical: a não-concentração de vendagens, a segmentação do mercado fonográfico.

Para quem vende cópias de gravações como se fossem sabonetes, concentrar as vendas em poucos artistas é atraente.

Você vende milhões de cópias a partir de uma só campanha de marketing.

O argumento da indústria é que isto é fundamental para mantê-la: “se todo mundo começar a gravar, quem vai ganhar dinheiro com isto?”

Só que essa prática diluiu a cultura daqui e de muitos países.

Os home studios abrem novas perspectivas.

Aliam o melhor do estúdio com liberdade de criação.

Para quem lida com arte e se preocupa em criar boa música, o momento não poderia ser mais promissor.

Publicado na Revista Backstage em 2001

 

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